Aconteceu, Virou Manchete

capa rede manchete

Tenho apenas boas lembranças da Rede Manchete de Televisão. Pensar em Rede Manchete, é pensar na minha infância, bem como MTV é sinônimo de memórias da adolescência. E, hoje, é muito triste ligar a televisão e saber que não posso mais sintonizar nenhum desses dois canais. Não são apenas emissoras que desapareceram da nossa telinha; é toda uma história que ficou para trás, memórias de um tempo que, definitivamente, se foi. Ver os registros em vídeo no youtube não é a mesma coisa. Não passa nem perto de transmitir a mesma sensação. É apenas lamentável.

Eu pregava os olhos na tela da TV para assistir a Rede Manchete sem nem me dar conta de que ela já atravessava uma das piores fases de sua história, enfrentando uma grave e incontornável crise. É engraçado pensar que eu estava alheia a tudo isso, ao que acontecia nos bastidores da minha emissora de televisão favorita da infância, que acompanhei (até inconstantemente) dos quatro aos dez anos de idade. É um recorte significativo dos meus tempos de criança… E eu não fazia ideia que ela estava bem próxima do fim. Isso porque eu preferia me concentrar nos animes e tokusatsus que eram exibidos na programação, bem como no Clube da Criança e em cenas esparsas de alguma das reprises de Pantanal; ao invés de ver os noticiários que reportavam a greve dos funcionários e as dívidas nas quais a Manchete se afundava. Mas, olhando pelo lado bom, aproveitei o que ela tinha de melhor, só vindo a saber detalhes de seu precoce e infeliz encerramento anos depois, ao pesquisar sobre a emissora na internet e ao ler o livro Rede Manchete: Aconteceu, Virou História de Elmo Francfort, bem como ao conferir o documentário Aconteceu, Virou Manchete dirigido pelo jornalista Fernando Borges.

Para quem, como eu, teve a felicidade de acompanhar a emissora de Adolpho Bloch, mesmo nos seus últimos e difíceis anos, vale a pena ler o livro e ver o documentário. Principalmente este último, uma vez que está repleto de material de arquivo, cenas emblemáticas das telenovelas, telejornais e demais programas. É uma delícia ver ou rever a estreia na televisão de gente que hoje está no rol das mega celebridades como Xuxa e Angélica, atores que atualmente compõem o primeiro escalão da Globo em novelas que marcaram época na telinha da Manchete como Kananga do Japão, Pantanal e Xica da Silva, além de diversos depoimentos de profissionais que fizeram a história da Rede Manchete, como diretores, atores, apresentadores, jornalistas e técnicos que fizeram a Televisão de Primeira Classe (como era seu slogan nos primórdios) realmente tomar forma e acontecer.

O livro é um trabalho cuidadoso daquele que se autodesigna o último funcionário da Manchete, cujo irmão e tio trabalharam na emissora e o levaram para conhecer os bastidores algumas vezes. Francfort conta na introdução que se formou em jornalismo e nutria o sonho de trabalhar na emissora do Russel. Mas seu sonho não se concretizou, pois a TV foi extinta. Então, de certa forma, escrever o livro, lhe deu a chance de conhecer melhor a história e como funcionava o canal, dando um gostinho de como era trabalhar na Manchete.

manchete

Particularmente, achei esse caráter afetivo, esse carinho pela emissora, imprescindível para que a leitura fluísse bem. O autor faz um ótimo apanhado da história da Manchete com muito acuro e bastante informação, sem obedecer a uma cronologia que daria ao texto o famigerado tom wikipedista (mesmo que, em algumas passagens, disponha os fatos em ordem cronológica), com idas e vindas no tempo, todas bem justificadas.

Ele dá destaque aos momentos de maior repercussão da Manchete, os grandes sucessos (como as novelas anteriormente citadas, o Documento Especial, os furos de reportagem e notícias exclusivas que eram resultado da coragem, ousadia e faro da equipe de jornalismo), as experimentações visuais e temáticas, além de rechear seu livro com relatos e entrevistas de profissionais de diferentes departamentos que participaram ativamente da história da emissora.

O aprofundamento, o trabalho de pesquisa e a dedicação do autor são notáveis. Contudo, não posso deixar de fazer algumas críticas, mas creio que uma delas não seja muito justa ou imparcial: após ler o livro de Zico Goes sobre a MTV, naquele tom delicioso de prosa, de conversa com o leitor, quase se equiparando a um livro de memórias, senti falta disso no livro sobre a Manchete. Claro que a construção narrativa não tinha como ser a mesma, visto que Zico escreveu da forma como lembrava dos acontecimentos, o Aconteceu, Virou História é fruto de muita pesquisa e uma série de depoimentos colhidos pelo autor. Mas acho que faltou injetar mais desse tom pessoal da introdução. Todavia, como eu já enfatizei, é uma crítica pessoal, visto que a obra se destina a ser informativa e apresentar os fatos sobre a emissora, não a ser uma experiência simplesmente nostálgica. A outra crítica se refere à revisão, há alguns erros de composição e estruturação de texto, muitas palavras que se repetem e alguns depoimentos redundantes que poderiam ser mais bem editados.

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Recomendo a leitura do livro e que assistam ao documentário. Para quem teve a oportunidade de acompanhar a trajetória da Manchete, mesmo que apenas uma parte, como eu, sentirá uma profunda nostalgia, além de conhecer melhor sua equipe artística e mais detalhadamente sua ascensão e queda. Para aqueles que não tiveram o privilégio de assistir à Rede Manchete na telinha de casa, é um ótimo meio de conhecer melhor a respeito de um importante capítulo da história da comunicação em nosso país, a TV do ano 2000 que, infeliz e ironicamente, fechou as portas em 1999.

Logo, eu volto falando um pouco mais sobre a emissora.

Andrizy Bento

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