Preacher – Piloto

Jesse Custer
Jesse Custer

Quem conhece Preacher de seu meio de origem, os quadrinhos, sabe que a trama reúne discussões sobre fé e religião, doses generosas de violência gráfica, linguagem de baixo calão e personagens tão bizarros quanto carismáticos em um único e sensacional pacote. Para quem não conhece e mesmo não se interessa por HQs, o piloto da nova empreitada do canal por assinatura americano AMC, base-ada nos quadrinhos de Garth Ennis e Steve Dillon, ainda assim é uma ótima pedida e, desde os primeiros minutos, já te convida a ingressar em um universo que você, fã de boas produções televisivas, não vai conseguir resistir.

Obviamente, o brilhantismo de Preacher vem da narrativa afiada que Ennis desenvolveu nas HQs, mas a série tem méritos próprios, como um elenco bem sintonizado e disposto a abraçar seus personagens sem ressalvas ou concessões, uma abordagem visual notável, trilha sonora lindíssima (que inclui Willie Nelson e Johnny Cash, entrando com seus acordes em momentos precisos), além de uma montagem eficiente e um ritmo dinâmico. São 60 minutos de episódio que passam voando e deixam o espectador salivando por querer conhecer mais a respeito daquele universo e daqueles personagens. Falando sério, há muito tempo eu não via um final de episódio que me deixasse tão ansiosa para o próximo.

A história, para quem ainda não ouviu falar, segue Jesse Custer (Dominic Cooper, perfeito no papel) em sua jornada cujo objetivo é saber aonde Deus foi parar. Com um passado nebuloso, Custer volta para a cidadezinha de Annville no Texas, onde procura dar um rumo para sua vida, seguindo os passos de seu pai como pastor local. No entanto, não possui carisma e nem vocação para exercer a função. Para completar, bebe e fuma demais, além de gostar de uma boa briga. Sendo assim, lutar contra e renegar sua própria natureza não tem sido nada fácil. Prestes a desistir da carreira, ele é possuído por uma entidade que lhe confere o poder de ser obedecido por quem quer que seja, como se sua voz fosse a própria palavra de Deus.

Tulip
Tulip

Adaptar a criação de Ennis e Dillon para as telas não era uma tarefa das mais simples. Tanto que, por muito tempo, se falou em Hollywood sobre um filme baseado na obra que jamais saiu do papel e até em uma série para a HBO. Eu mesma tenho acompanhado o desenrolar dessa história por dez anos, visto que li Preacher pela primeira vez em 2006 e, como defensora do conceito de adaptação, aguardava com ansiedade o dia em que veria Jesse Custer na telona ou na telinha. Mas além dos fãs da série em quadrinhos, será que o público em geral estaria disposto a comprar uma história que toca em um tema tão espinhoso como a religião, com tantos personagens no mínimo peculiares e uma trama repleta de passagens violentas e indigestas? Os fãs podem ficar tranquilos. A AMC assumiu com competência esse petardo e a trama é bem traduzida para as telas, trazendo aquele inconfundível clima de western e a vibe tarantinesca tão características da obra original. E o público em geral… bem, vai se surpreender com uma qualidade técnica absurda e um roteiro inventivo e genial.

O piloto é promissor e mantém a essência das histórias em quadrinhos publicadas pelo selo Vertigo – a divisão madura da DC Comics – mas não é estritamente fiel ao material que o originou. Contudo, as divergências em relação às suas origens são bem-vindas e contribuem para um melhor andamento da trama nas telas. Há um enorme tratamento de respeito do roteiro pelo original das HQs; nenhuma mudança ou licença poética – por mais significativa – altera drasticamente o espírito da história.

Ao contrário do quadrinho, por exemplo, que investe em uma road story, com Jesse Custer indo para a estrada com seus companheiros Cassidy (Joseph Gilgun) e Tulip (Ruth Negga), na série ele decide ficar em Annville, transmitir a palavra de Deus e aceitar o destino que lhe foi imposto, sendo o “escolhido”. Se isso é um demérito? É injusto dizer qualquer coisa por agora, visto que só veremos os desdobramentos dessa decisão mais para frente. Mas algo interessante surge daí, afinal, para quem leu a HQ, a série pode apresentar novidades e surpresas, sem aquela sensação de que já sabemos aonde essa trama toda vai dar.

Cassidy
Cassidy

Há uma overdose de cenas antológicas. Destaque para a sequência em que o vampiro irlandês Cassidy – vivido de maneira inspirada por Gilgun – massacra um grupo de caçadores de vampiros dentro de um avião; Tulip, a ex-namorada de Jesse Custer, em duas sequências arrasadoras praticamente seguidas uma da outra – a primeira dentro de um carro e a segunda construindo uma bazuca ao lado de duas crianças a fim de derrubar um helicóptero; e o próprio Jesse Custer, nosso Preacher, dando uma respeitável surra em um babaca que agride a esposa e seus comparsas igualmente metidos a machões em um bar. Aliás, é na TV deste mesmo bar que rola uma piadinha certeira envolvendo Tom Cruise.

Também não dá pra deixar de mencionar o diálogo entre o Pastor Jesse e o vampiro Cassidy quando ambos vão presos, e nem a sequência final – brilhante para dizer o mínimo, e chocante também – quando um homem sem iniciativa que sempre procurava o pastor para lhe pedir conselhos sobre como lidar com a mãe passivo-agressiva, vai até à casa de repouso em que ela se encontra, a fim de abrir seu coração diante dela… e se eu falar mais a respeito desse final, vou dar um spoiler tremendo e não, caro leitor, você merece ver essa fenomenal sequência com seus próprios olhos.

Aliás, Preacher é isso! Fenomenal do início ao fim. Um piloto bem estruturado que deixará os fãs dos quadrinhos satisfeitos, com um sorriso de orelha a orelha e os não-iniciados curiosos e loucos para saber aonde vai dar a jornada de fé do pastor bêbado e atormentado que se tornou o escolhido para transmitir a voz de Deus.

Preacher-cast-1

E que venha o restante da temporada!

Adendo: Nos quadrinhos, Jesse costumava ouvir o espírito de John Wayne. Será que vai haver alguma referência a isso ou alguma alusão ao ator na série? Estou no aguardo 😉

Adendo 2: A revisão do texto foi embalada por esta canção.

Andrizy Bento

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